Ferramenta evolui constantemente, ao passo das atualizações tecnológicas, e tenta rumar em direção à simplicidade
Enquanto processos ou tendências de negócio levam anos, às vezes décadas, para sofrerem alterações, a tecnologia evolui num piscar de olhos. Distante de um movimento que represente ruptura tecnológica, os softwares de gestão empresarial (ERP) seguem evoluções constantes e graduais que acompanham demandas corporativas para conferir simplicidade e maior eficiência aos sistemas que controlam as rotinas administrativas. Em direção ao futuro da plataforma, os fabricantes apontam soluções mais integradas, intuitivas, completas e cada vez mais estratégicas
Samuel Carvalho, analista de software da IDC, aposta na integração do ERP com sistemas periféricos, outras plataformas e sistemas legados. A projeção do especialista conecta-se, principalmente, à evolução das ferramentas de middleware, às necessidades por automatização de novas camadas corporativas e ao avanço na entrega dos dados baseada em arquitetura orientada a serviços (SOA).
A ideia surgida nos anos 80 de ligar soluções especializadas ao software de gestão começa a emergir de forma mais concreta. Quando o conceito foi testado, no passado, não funcionou muito bem. "As conexões entre as soluções naquela época eram complexas e quase impossíveis", lembra Elisabete Waller, vice-presidente de aplicativos da Oracle. Na visão da executiva, a evolução tecnológica promovida de lá para cá tirou de cena os "blocos rígidos" para vislumbrar a atual visão em módulos.
Elisabete defende que esse movimento desencadeou um conceito que ela chama de "ERP estendido". A executiva compara o software de gestão a um círculo rodeado de sistemas satélites que se conectam a ele. Estas tecnologias periféricas representam aplicativos de negócio especializados e a forma como eles se relacionam com a estrutura "nuclear" vem por meio de sistemas de integração. O grande passo dado nesta direção foi sentido com uma primeira onda de revitalização dos softwares de gestão empresarial promovida pelos fornecedores no fim dos anos 90 e começo dos anos 2000. Dentro deste contexto, a internet foi considerada uma espécie de turbina para a Oracle, servindo de plataforma para todas as inovações propostas pela companhia a partir de então. De acordo com a vice-presidente, trazer aspectos nativos da web para seu ERP eliminou os extensos treinamentos da equipe na ferramenta. "É como usar a internet. Você não precisa de treinamento para usar a busca do Google", exemplifica.
Na SAP, a grande mudança tecnológica do software mirou as funcionalidades do SOA, com o lançamento da plataforma de integração NetWeaver. Meva Su Duran, gerente de soluções da fabricante alemã para a América Latina, acredita que a orientação ao serviço norteará a evolução do software. Isto facilita que o cliente atualize apenas partes essenciais ao seu negócio.
O mundo mudou significativamente quanto à utilização da tecnologia nas últimas décadas. Desde os anos 90 as pessoas vivem conectadas à web e falam em dispositivos celulares. Computadores deixaram de ser caixas misteriosas dentro das geladas salas de processamento de dados para tornarem-se utensílios comuns do dia-a-dia. Esta familiaridade com a máquina cria interações mais nativas e tende a refletir nos softwares de gestão empresarial.
Para facilitar a interação com as ferramentas de gestão, os fabricantes trabalham para garantir interfaces naturais, mesmo que por trás de telas simples, continuem existindo infinitas conexões e um banco de dados monstruoso. "Daqui a dez anos, quem vai gerir as empresas nasceu com internet, MSN e tirando fotos digitais", conceitua Mauricio Prado, gerente-geral da divisão Microsoft Business Solution, apontando que tais impactos chegarão aos softwares de gestão e que o futuro gestor não vai querer passar por dez diferentes telas apenas para acessar um dado fiscal.
"Interfaces mais gráficas podem reduzir o desgaste de adaptação às ferramentas e diminuir o prazo de adequação ao software", aposta Meva, da SAP. Mas não se anime muito. Nenhum fabricante fala que a adoção de ERP, pelo menos no curto prazo, deixará de ser traumática. Mesmo assim, os provedores apontam para o encurtamento dos projetos com o passar dos anos. "Quem sabe algum dia um ERP não entre no rol de tecnologias ‘plug and play"?", questiona a gerente.
Novas fronteiras
A popularização do ERP a partir dos anos 90 ampliou a abrangência de mercado da ferramenta. O software passou a olhar além das fronteiras da empresa, vislumbrando oportunidades em novos elos da cadeia produtiva. "Consideramos que existem 200 mil empresas passivas de adotar um produto como o nosso no Brasil", projeta Prado, da Microsoft, que estima que os concorrentes atuam em uma base de 40 mil clientes. "O jogo, para gente, é conquistar esses outros 160 mil", comenta. "As grandes já têm ERP", diz o executivo.
Wilson de Godoy Soares, vice-presidente de gestão de desenvolvimento da Totvs, compartilha um pouco dessa opinião e acrescenta: "o ERP abocanhará pedaços que não são daquele tradicional ERP". O executivo da fabricante brasileira acredita que o próximo passo da plataforma será melhorar a sinergia dentro da cadeia de fornecimento. Cada vez mais, o software tende a conectar os elos da cadeia produtiva, integrando informações entre empresas. "Para facilitar ainda mais a vida de nossos clientes, eu preciso facilitar a vida também de seus clientes", opina.
Além de mais embrenhado nos processos departamentais internos e estendido à cadeia de fornecedores e clientes, outro grande passo dado pelos fornecedores da solução nos últimos anos diz respeito a possibilidade de agregar capacidades analíticas aos softwares, o que refletiu em uma onda de aquisições e desenvolvimento de soluções de gestão de clientes (CRM) e business intelligence (BI). "Quanto o ERP se consolidou, o software ficou muito atrelado ao back office e a processos administrativos", explica Elisabete, da Oracle, para sintetizar: "Atender a estas demandas transformaram-se em condição básica".
Se ao longo dos anos o ERP serviu como uma porta para entrada e unificação dos dados, agora, o desafio da indústria é permitir que o software traga à tona dados relevantes e transforme isso tudo em informações relevantes que orientem o negócio. "As aquisições dos últimos anos mostram que as fornecedoras precisam dar mais capacidade para o tomador de decisão embasar suas estratégias", analisa Carvalho, da IDC.
O futuro reserva
Ainda há muito terreno a se percorrer até a criação de uma ferramenta de gestão empresarial que atenda plenamente às demandas, seja fácil de usar, traga informações gerenciais e não dê dores de cabeça no dia-a-dia. As integrações evoluíram, mas analistas apontam que a incorporação de aplicativos como BI e CRM ainda significaram pouco na evolução dos softwares de gestão. A grande dificuldade de apontar um rumo para o ERP esbarra na imprevisibilidade. "Tudo que aconteceu de ruptura em termos de tecnologia não foi previsto com tanta antecedência", diz Leopoldo Guimarães Barros, da LBarros Consultoria. "De repente alguém descobre algo completamente diferente e o ERP perca terreno", arrisca.
A certeza dos fornecedores é que, mesmo que troque de nome, um sistema de gestão empresarial continuará sendo necessário. "Desde a revolução industrial, os procedimentos de manufatura exigem controle. A informática apenas substituiu o processo antigo, feito à mão, conferindo agilidade", enfatiza Soares, da Totvs. "As grandes transformações virão por partes. São evoluções constantes e diárias", vislumbra Prado, da Microsoft, antecipando que estruturas de comunidade de usuários e acesso touchscreen chegarão em breve a plataforma desenvolvida pela gigante.
Marcelo Lombardo, diretor de tecnologia da fabricante nacional New Age Software, em um exercício de abstração aponta que nada impede a criação um ERP construído como se fossem mashups, onde o usuário arrasta as funcionalidades e aplicativos para uma plataforma que promova, por si só, a integração; adequando a solução a necessidade de cada empresa ou unidade. "Mas isso ainda demanda muitos avanços", limita o executivo. Basta esperar e ver o que o futuro reserva.
por Felipe Dreher | InformationWeek Brasil | 29/04/2009